Ao contrário dos cenários de 2015, que correspondem às séries A2 e B2 do modelo HadCM3, os cenários climáticos mais recentes adotam uma nova abordagem através dos Shared Socioeconomic Pathways (SSPs). Esta mudança reflete a evolução do conhecimento científico e a necessidade de criar projeções mais flexíveis e abrangentes que melhor capturam a complexidade das interações entre o clima, a sociedade e a economia. A transição dos SRES para os SSPs marca uma evolução significativa na forma como as tendências climáticas são projetadas e utilizadas no planeamento e na política pública. Os SSPs oferecem uma abordagem mais rica e integrada, permitindo uma análise mais detalhada dos impactos socioeconómicos e das políticas de adaptação. Esta evolução sublinha a crescente complexidade e interconexão dos desafios climáticos no século XXI.
Período de referência 1981-2010
O período de referência é a nossa base comparativa que resulta da simulação da normal climatológica mensal para o período entre 1981 e 2010 das variáveis temperatura e precipitação.
Os resultados evidenciam o efeito do relevo na distribuição espacial e sazonal de ambas as variáveis com um destaque para a média da precipitação total variar entre os 60 mm e os 500 mm nas cotas mais elevadas entre o verão e o inverno, com uma temperatura média entre os 24 ºC e os 18ºC nas cotas mais baixas da ilha da Madeira, referentes às mesmas estações do ano.
Porto Santo apresenta uma sazonalidade menos expressiva onde a temperatura média de inverno ronda os 18ºC e a do verão os 22ºC. A precipitação total média varia entre os 100mm e os 20mm entre o inverno e o verão evidenciando uma distribuição mais uniforme resultado da dimensão e relevo da ilha de Porto Santo.
As figuras seguintes descrevem a variação espacial da temperatura e precipitação para as diferentes estações do ano, resultante das simulações da normal climatológica para o período entre 1981 e 2010.
Cenários climáticos SSP2 e SSP5
Depois do processo de validação e calibração dos modelos de temperatura e precipitação foram caracterizados três horizontes temporais, o primeiro entre 2021 e 2050 com simulações diárias, o segundo entre 2051 e 2080 com simulações mensais e finalmente entre 2081 e 2100 com 20 anos de simulações mensais. Para todos os horizontes temporais foram caracterizados dois cenários, o SSP2-4.5 e o cenário SSP5-8.5 para avaliar a incerteza associada aos caminhos sociais futuros.
Para que seja possível fazer uma análise comparativa entre os cenários e os dados históricos foram calculadas as anomalias entre a normal climatológica dos cenários e o período de referência entre 1981 e 2010. Para cada um dos três horizontes temporais foram calculadas a média mensal dos dados diários, para o caso do período entre 2021 e 2050, ou a média mensal dos dados mensais para os restantes períodos das projeções. A normal climatológica do período de referência foi obtida através das simulações das condições médias mensais do estado da atmosfera, obtidas através da média dos dados diários da reanálise NCEP.
Com o objetivo de facilitar a interpretação dos resultados das tabelas anteriores, a mesma informação é descrita nas figuras seguintes:
Os resultados das anomalias médias na ilha da Madeira confirmam a tendência generalizada de diminuição da precipitação anual em todos os cenários e horizontes temporais, ao mesmo tempo que, acompanha o aumento progressivo da temperatura média até ao final do século.
Descrição das anomalias entre 2021 e 2050
Como referido anteriormente, entre 2021 e 2050 as simulações têm uma resolução temporal diária com o objetivo de melhor apoiar os estudos de impacto e respetivas avaliações de risco na RAM. Um dos pressupostos por esta escolha prende-se com a menor incerteza associada a períodos temporais mais próximos quando comparado com as estimativas de longo prazo cuja incerteza tem tendência a aumentar dada a sua dependência do rumo e impacto da ação humana.
As figuras seguintes representam a agregação dos dados climáticos através do cálculo da anomalia anual em %, no caso da precipitação, e em ºC para a temperatura, entre o período de referência (1981-2010) e os respetivos cenários SSP2 e SSP5 entre 2021 e 2050.
Descrição das anomalias entre 2051 e 2080
O mesmo exercício que foi feito para o período entre 2021 e 2050 foi replicado para caracterizar a segunda metade do século XXI, mas recorrendo às simulações mensais em detrimento das simulações diárias que estiveram na base da caracterização do período anterior.
As figuras seguintes representam a agregação dos dados climáticos através do cálculo da anomalia anual em %, no caso da precipitação, e em ºC para a temperatura, entre o período de referência (1981-2010) e os respetivos cenários SSP2 e SSP5 entre 2051 e 2080.
Os mapas de anomalia de temperatura mostram que, em ambos os cenários, há um aumento de até 2ºC na temperatura média em Porto Santo. Na ilha da Madeira, as altitudes mais elevadas apresentam a maior tendência de aumento da temperatura média, podendo atingir uma anomalia de até 8ºC em comparação com o período de referência de 1981 a 2010. Nos mapas de anomalia de precipitação, destaca-se um aumento da precipitação na zona sul da Madeira no cenário SSP2. De acordo com a análise de eventos extremos, é provável que este aumento na precipitação média esteja a ser influenciado pela maior frequência desses eventos.
Descrição das anomalias entre 2081 e 2100
Para os últimos 20 anos do século XXI o processo foi idêntico o período entre 2051 e 2080.
As figuras seguintes representam a agregação dos dados climáticos através do cálculo da anomalia anual em %, no caso da precipitação, e em ºC para a temperatura, entre o período de referência (1981-2010) e os respetivos cenários SSP2 e SSP5 entre 2081 e 2100.
Comparação entre os cenários SSPs e SRES
Com a elaboração dos cenários climáticos SSP2 e SSP4, é relevante notar que os novos resultados apontam para um aumento da temperatura média na ilha da Madeira que é quase o dobro do previsto pelos cenários A2 e B2 de 2015. Especificamente, os novos cenários sugerem um aumento de 3,1ºC a 4,9ºC, mesmo utilizando um período de referência mais recente (1981-2010), em comparação com o intervalo de 1970 a 1990 considerado nos cenários anteriores. Relativamente às projeções das anomalias de precipitação, as médias para os horizontes temporais de curto, médio e longo prazo apresentam tendências semelhantes, o que indica uma consistência nas alterações previstas nos padrões de precipitação.
Média móvel da temperatura e precipitação nos cenários SSP2 e SSP5
A análise das novas projeções de temperatura entre 2021 e 2100 em ambos os cenários, representados pela média móvel a 12 meses, evidenciam que a partir de meados do século XXI o cenário SSP5 demonstra uma taxa de crescimento médio da temperatura superior ao cenário SSP2, com uma clara diferenciação de evolução futura. Na mesma figura podemos observar uma tendência de estabilização da temperatura no cenário SSP2 até 2100, em contraste com o crescimento contínuo da temperatura projetada no cenário SSP5.
A análise das projeções de precipitação é mais complexa. Os resultados indicam um aumento claro de eventos pouco frequentes e mais intensos à escala mensal, principalmente a partir de meados do século XXI, em simultâneo com uma tendência da diminuição da precipitação anual até 2100, que é mais significativa no cenário SSP5. Dada a importância destas tendências, os resultados são explorados com mais detalhe na avaliação de extremos.
Avaliação de extremos
Conhecer a intensidade, frequência ou período de retorno de um determinado evento meteorológico pode ser determinante quando adaptamos a nossa resposta aos desafios e impactos provocados por eventos meteorológicos extremos, especialmente no contexto de alterações climáticas. As cheias, inundações e deslizamentos de massa em vertente são desencadeados por eventos de precipitação intensa, que podem ser de longa ou curta curta duração e muito localizados. Foi analisada a série histórica da estação meteorológica de Bica da Cana, considerada representativa dos regimes de precipitação mais intensos na ilha da Madeira. A partir desta análise, foi calculado o período de retorno da precipitação para o intervalo de 1981 a 2010. Além disso, foram realizadas projeções para os cenários SSP2 e SSP5 no período de 2021 a 2050, especificamente para a estação meteorológica de Bica da Cana.
Os resultados evidenciam uma tendência de agravamento dos fenómenos extremos de precipitação em ambos os cenários entre 2021 e 2050, em relação ao período de referência, fazendo com que a conjugação entre a tendência de diminuição da precipitação com o aumento de fenómenos extremos acarrete um conjunto de desafios importantes na gestão dos recursos hídricos, e do território.
Para complementar a abordagem sobre a análise de extremos, mas com foco nas secas, foi calculado o índice SPI (Standardized Precipitation Index), desenvolvido por McKee et al. (1993). Este índice baseia-se na precipitação padronizada, que corresponde ao desvio de precipitação em relação à média para um período de tempo específico, dividido pelo desvio padrão do período a que diz respeito essa média.
Os resultados evidenciam uma tendência de aumento da frequência dos períodos de seca em ambos os cenários para o período de 2021 a 2050, que se tornam mais evidentes depois da análise das figuras com o cálculo do índice SPI a 12 meses.
Projeções da subida do nível médio do mar
A maior parte da subida do nível do mar observada provém da expansão térmica, ou da expansão da água do oceano à medida que aquece, sendo que o degelo terrestre e dos glaciares têm cada vez mais contribuído para o aumento do volume do oceano, nomeadamente devido às perdas das camadas de gelo da Gronelândia e da Antártida.
O IPCC, em colaboração com a NASA, desenvolveram uma ferramenta (disponível em: https://sealevel.nasa.gov) que permite aos utilizadores visualizar e descarregar os dados das projeções do nível do mar de acordo com o 6º Relatório de Avaliação do IPCC (AR6).
Tendo como referência o Funchal como representativo do impacto da subida do nível médio do mar na RAM, os dados evidenciam que até 2100 as estimativas variam entre os 0,62m e os 0,87m em termos médios, para os cenários SSP2 e SSP5 respetivamente. Por outro lado, é importante salientar que este processo é irreversível durante os próximos séculos pelo que as estimativas até 2150 em ambos os cenários é de uma subida do nível médio do mar superior a 1m quando comparado com os dados entre 1995 a 2014.
Projeções do vento e radiação
As projeções do vento para os cenários SSP2 e SSP5 foram obtidos através do Atlas Interativo do IPCC, disponível em: https://interactive-atlas.ipcc.ch/.
Os resultados representam as projeções de 31 modelos anuais, avaliados pelo CMIP6, para diferentes horizontes temporais no atlântico norte. As projeções indicam que em ambos os cenários existem uma tendência clara de diminuição da velocidade média do vento à superfície, que poderá variar em cerca de -2% no cenário SSP2 e quase -4% no cenário SSP5 até ao final do século.
Radiação Solar de Onda Curta Incidente à Superfície (Surface Downwelling Shortwave Radiation, SDSR) refere-se à quantidade de radiação solar de onda curta (com comprimentos de onda entre 0,3 e 3,0 micrómetros) que atinge a superfície da Terra e é absorvida por ela. É uma medida da radiação solar incidente disponível para processos como a fotossíntese, evaporação e aquecimento da superfície da Terra.
A SDSR é geralmente medida em unidades de watts por metro quadrado (W/m²) e é influenciada por vários fatores, como o ângulo do sol, a hora do dia, a latitude, a estação do ano, a presença de nuvens e aerossóis atmosféricos. A Figura 109 representa a média móvel a 10 anos da SDSR,