Na Ilha da Madeira, os recursos hídricos subterrâneos constituem a principal fonte de abastecimento, satisfazendo, em grande parte, as necessidades de consumo da população.

A água subterrânea, disponível mesmo na estação seca, quando o escoamento superficial é reduzido ou inexistente, é, no caso particular da ilha da Madeira, relativamente acessível, uma vez que o maior volume provém da descarga natural das nascentes, sendo recolhida e transportada pelo sistema de levadas.

Este estudo não abrangeu a ilha do Porto Santo, onde, devido à sua escassez hídrica, o abastecimento de água se faz quase exclusivamente à custa de uma central dessalinizadora, cuja operação não deverá ser significativamente afetada pelas alterações climáticas.

A análise dos impactes das alterações climáticas nos recursos hídricos subterrâneos da Madeira incidiu na qualidade e disponibilidade da água subterrânea. Quanto à qualidade, foi realizada uma avaliação à salinização dos aquíferos costeiros, mediante análise dos 21 furos de captação. Para a avaliação da disponibilidade, foram considerados os níveis piezométricos e os caudais de galerias, túneis e nascentes.

Qualidade da água subterrânea: salinização dos aquíferos

O impacto potencial analisado, relativo à qualidade, foi a salinização dos aquíferos, para o qual se avaliou a vulnerabilidade atual e futura de 21 furos. O aumento da temperatura média anual e a diminuição da precipitação anual média serão determinantes para uma redução da recarga e, consequentemente, dos caudais de escoamento subterrâneo, que são responsáveis por contrariar o fenómeno de intrusão salina. Foi também considerado o agravamento provocado pela elevação do nível médio do mar a longo prazo.

(16) Simões Duarte, R., 1994, Hidrologia Subterrânea da Madeira. Atlas Digital do Ambiente – DGA

A vulnerabilidade atual, e de curto prazo, de todos os furos está associada à concentração de cloretos, enquanto a determinação da posição da interface salina, após redução da recarga e subida do nível médio do mar, define a vulnerabilidade a longo prazo. Seria expectável que, a ocorrer uma variação da classificação da vulnerabilidade, esta fosse sempre no sentido do agravamento das condições de qualidade da água por aumento da concentração de cloretos, mas só é, efetivamente, verificado para longo prazo em 9 dos furos analisados.

A vulnerabilidade resultante deste impacte situou-se essencialmente entre a muito negativa e a crítica, a longo prazo, sendo que o grau de confiança associado foi baixo. Concluiu-se que, dos 21 furos analisados, ocorrerá um provável agravamento do teor de cloretos em apenas 6, para o período atual e de curto prazo, encontrando-se todos os furos da Ribeira dos Socorridos e Ribeira de Machico com vulnerabilidade neutra. Ainda que haja uma influência das alterações climáticas na concentração de cloretos, motivada pela diminuição da recarga, verifica-se que o efeito da extração de água dos furos, para suprir parcialmente as necessidades de consumo, é o fator determinante na sua evolução.

Disponibilidade de água subterrânea: níveis piezométricos

Para a disponibilidade de água subterrânea nos níveis piezométricos dos furos, o estudo incidiu na análise de 12 desses sistemas de extração de água. A vulnerabilidade resultante para o período atual e futuro foi neutra e negativa. Qualquer exploração que conduza a diferenças de cotas, entre o nível piezométrico e o fundo do furo, menores do que 5 metros resultará numa suspensão da captação de água. Caso ocorra uma sobre-exploração, impedindo a recuperação natural das reservas de água nos aquíferos costeiros, a decorrente redução do nível significará a inutilização das captações nos furos comprometidos.

Perspetiva-se uma elevada diminuição do nível piezométrico estático, mas sem que ocorra o comprometimento a médio e/ou longo prazo do funcionamento dos furos. No entanto, a evolução dos níveis piezométricos denuncia que as disponibilidades de água subterrânea, junto ao litoral, ficarão diminuídas e comprometidas.

A médio e longo prazo, verifica-se que apenas dois furos da Ribeira dos Socorridos (JK16 e JK25) e um furo da Ribeira de Machico (JK12) apresentarão um cenário de vulnerabilidade negativa. No cenário B2, só a longo prazo se verificará a mesma classificação para outro furo da Ribeira de Machico (JK7). Em todos os outros furos, para todos os períodos e para todos os cenários climáticos, a classificação atribuída foi neutra. O furo JK12 é o único furo da Ribeira de Machico que apresentará um agravamento da sua classificação atual, de neutra para negativa a médio e longo prazo.

Disponibilidade de água subterrânea: caudais de galerias, túneis e nascentes

Relativamente à disponibilidade de água subterrânea, caudais de galerias, túneis e nascentes, determinou-se a vulnerabilidade atual de oito galerias e túneis. Apenas o Túnel 4 – Tornos – apresentou uma vulnerabilidade atual negativa, sendo que as restantes galerias e túneis registaram uma classe neutra. A vulnerabilidade futura a médio e longo prazo apresentou classes entre a negativa e a crítica e com confiança associada média. As galerias e grupos de nascentes situadas nas cotas mais elevadas do Paúl da Serra, acima dos 1000 metros, são as mais vulneráveis à redução da recarga, uma vez que, à medida que o nível piezométrico baixa, começa por afetar os caudais das captações mais elevadas, cuja situação se torna crítica no caso das nascentes acima da cota dos 1000 metros e nas galerias do Rabaçal e Rabaças.

Os resultados da modelação denunciam reduções significativas nos caudais drenados, quer pelas nascentes, quer pelas galerias. Na situação mais extrema de redução da recarga, em 46% do volume médio atual, o caudal das nascentes acima dos 1300 metros é drasticamente reduzido, podendo a maioria das nascentes secar. Neste caso, fica, no entanto, favorecido o fluxo vertical descendente para zonas mais profundas. Como resultado, verifica-se um ligeiro aumento do nível piezométrico a cotas inferiores e consequente aumento dos caudais drenados por essas galerias.

O comportamento futuro da precipitação oculta, num cenário de alterações climáticas, é ainda muito incerto. A diminuição significativa da água retida, através deste fenómeno, poderá levar a uma diminuição dos caudais das nascentes, galerias e túneis.

A matriz apresentada na Tabela 12 sintetiza as vulnerabilidades às alterações climáticas na disponibilidade de água subterrânea, caudais de galerias, túneis e nascentes.

Tem havido uma política ativa no sentido de contrariar os impactes sentidos nos recursos hídricos, promovendo assim a adaptação autónoma deste setor. Deverá, por isso, ser salvaguardada a continuidade das ações implementadas, fomentando a criação de condições favoráveis para o seu funcionamento e melhorando os resultados.

As opções de adaptação passam por reduzir as perdas de água no transporte e distribuição, na eficiência e racionalização dos consumos (sobretudo nos tipos de uso com maior procura, como são o agrícola e doméstico), no aumento da qualidade da água e na monitorização e aumento do conhecimento sobre as vulnerabilidades deste setor perante alterações climáticas.

Algumas das medidas que poderão ser consideradas para a adaptação neste setor, sem prejuízo de outras medidas, são: a instalação de equipamentos de medição para monitorização mais precisa dos caudais e da qualidade, ao nível das captações e pontos de entrega; a elaboração e implementação de um Programa Regional para o Uso Eficiente da Água, que promova o investimento em soluções e campanhas de poupança de água; a recarga artificial; a reflorestação adequada (espécies indígenas) de zonas degradadas; a prevenção da destruição do coberto vegetal endémico e controlo de espécies invasoras, sobretudo nas zonas identificadas como de máxima infiltração; a determinação de perímetros de proteção das captações de água, destinadas ao consumo humano.